A ela falta espírito, mas não um pingo de vidência. Sim, somente um pingo. Uma projeção que a coloca no futuro e dá a ela a essência, não o espírito. Ela des-sente as coisas. Ela desiste depois de tentar. Ela é intrasigente por parte de mãe e interesseira por parte de pai. Seu nome deveria começar com "i" de idiota, insensível. Para ela nada a falta. Ela acha que tem tudo. Ela acha que sabe mais. Ela gosta só de ganhar e perder não é para perdedores, mas para seus concorrentes. Eles não são perdedores, eles apenas não são ela. Mas falta espírito, falta alma. Porque alma é algo divino e ela não têm crenças religiosas. Ela não tem alma, como não tem pecados. Ela nada sabe. Ela é socrática, nietzschiana, kantiana e qualquer outro contrário filosófico. Ela é burra como uma porta, com pouca leitura por diversão - apenas por obrigação. Ela não lê livros completos. Ela sempre trabalha com essência de tudo. Essência e cheiros. Ultimamente algo não vem cheirando bem, mas ela sabe tapar o nariz e respirar pela boca até ficar com dor de garganta de tanto cigarro diário. Ela é só essência sem alma. Ela só sabe metade. A outra metade fica atrás da porta, nas suas costas, nas costas da porta - porta que ela é. Ela nada sabe. Ela é retórica. Ela é a retórica em pessoa, em forma de porta.
Então ela resolve sentar-se (e porta senta?) e contemplar o nada. O nada dos outros, acreditando, então, que é tudo. E que um dia convencerá os outros que tudo sabe, mesmo não sabendo nada. Ela ri e diz:
- Meu mundo está completo, organizado. Meu mundo é um caos belo, beleza de qualquer filósofo. Meu mundo é meu, meu, meu. Meu mundo. Ahhhh! Está completo.
Ela acende um cigarro, olha pra aquele lindo pôr-do-sol de Brasília - daqueles que só aqui existe. Ela bebe o café quente-morno. Ela ri sozinha - como sempre. E depois dorme sonhando: "dane-se o pensamento dos outros, eu sei de tudo". Mesmo não sabendo nada.